Muitas vezes nos entristecemos ao vermos algumas difíceis realidades que se apresentam em nosso mundo. Esse também é o caso de um jovem altruísta, praticante de yoga e espiritualista, chamado Fábio.
Fábio era um ser humano incrível, de bom coração e ativamente engajado em movimentos sociais. Praticava Yoga desde a sua adolescência, porém, estava sempre em busca de aprimorar seus conhecimentos e práticas.
E foi justamente durante essa busca que Fábio encontrou um instrutor de Kriya Yoga, em um congresso em que participou.
O sistema do Kriya Yoga trabalha as energias através da meditação com exercícios e técnicas respiratórias específicas que visam levar o praticante a níveis mais elevados e profundos de consciência.
Como Fábio praticava há muitos anos o Hatha Yoga, gostaria de aprender um novo sistema que complementasse suas práticas.
Alguns dias após o congresso, após terem trocado contatos, Fábio liga para o instrutor e então combina uma aula gratuita com ele, a fim de experimentar o sistema e ver se estaria de acordo com suas expectativas.
No dia da aula, ao pegar um ônibus para ir de encontro ao seu instrutor, Fábio percebe uma cena triste pela janela: crianças vendendo balas no semáforo. Em seu coração, a amargura se instala e sua mente, mesmo após perder de vista as crianças, continua lhe trazendo reclamações, possíveis soluções e ações para serem empregadas para tentar resolver aquela situação.
Chegando na aula, o instrutor recebe a Fábio, porém, já percebe uma grande agitação nele. Quando começaram a aula, o instrutor lhe pergunta:
— Muito feliz em recebê-lo, Fábio. E qual seria o seu objetivo com as práticas de Kriya Yoga?
— Muito obrigado pela oportunidade desta aula. Eu gostaria de alcançar novos patamares no Yoga. Já pratico, há alguns anos, o Hatha Yoga e gostaria de implementar outras práticas complementares.
O instrutor continua:
— Muito bem. Vejo que você está um pouco agitado. Algo lhe perturba?
Essa pergunta fez com que Fábio voltasse na lembrança das crianças vendendo balas no semáforo e em todas as causas sociais que as levaram até ali, bem como as soluções que ele acreditava serem efetivas para combaterem tais realidades.
Fábio, já no furacão de seus pensamentos, responde ao instrutor:
— Eu estou indignado com tamanhas injustiças! A gente não consegue sair em paz! Sempre acabamos vendo essas injustiças sociais, essas mazelas, todas, causadas por uma má administração de recursos e pelo desleixo dos poderosos, bem como dos governos…
E, enquanto Fábio falava, o instrutor levantou-se, abriu as cortinas, acendeu a luz, ligou o abajur, sentou-se em postura meditativa e fechou os olhos.
Fábio já havia diminuído o fluxo de suas palavras ao ver seu instrutor levantando-se, mas parou de falar ao notar que ele havia aberto as cortinas e acendido o abajur, pois não entendeu suas atitudes. Fábio, sem saber o que falar, ou fazer, pergunta ao instrutor:
— É… está tudo bem?
O instrutor lhe responde:
— Sim! Sempre está tudo bem.
E Fábio, de forma mais direta, pergunta:
— Eu não entendi porque o senhor abriu as cortinas, acendeu as lâmpadas e o abajur e depois sentou-se para meditar com os olhos fechados. Para que colocou tanta luz no ambiente, se iria fechar os olhos depois? Como enxergaria a luz?
E o instrutor responde:
— Isso é exatamente o que está acontecendo com você.
Sem entender, Fábio pergunta:
— Como assim?
— Você tem tanta luz ao seu redor, mas prefere fechar os olhos para ela.
Fábio, um pouco alterado, diz:
— O que quer dizer com isso? Também é um negacionista? Prefere dizer que as coisas visíveis e óbvias não estão acontecendo? Talvez prefira mesmo fechar os olhos a tudo o que lhe ocorre ao entorno.
O instrutor abre os olhos e responde:
— Veja, o que ocorre fora de nós, feliz ou infelizmente, está fora de nosso controle. Nosso papel é auxiliar a todos os que estejam precisando de nossa ajuda. Mas, como poderemos auxiliar a alguém, completamente, se estivermos divididos pelo conflito interno?
Fábio não responde, pois fica a refletir nas palavras do instrutor.
— Enquanto ainda estivermos na dualidade, navegaremos entre luz e sombras, entre mares incertos e tempestuosos. Na integralidade do ser, na verdadeira Yoga, que significa União, precisamos aprender a fazer isso, somando, ao invés de dividirmos.
Tentando entender, Fábio pergunta:
— Entendo que passamos do amor, ao ódio e isso gera o conflito interno, mas como não repudiar, ou como amar a alguém que pratica o mal?
O instrutor responde:
— Quando digo que amo, não posso odiar, pois o amor abrange a tudo, pois tudo - e todos - derivam dele. Se ainda odeio, ainda há ódio em mim. Não posso amar. Perceba que o mal se faz dentro de mim, já ao odiar a algo, ou a alguém. O julgamento é uma erva-daninha no coração dos homens: brota e alastra-se repentinamente. É preciso estarmos sempre atentos.
Então, Fábio diz:
— Entendo… mas, como agir então?
— Faça o SEU melhor. Não espere a ação do outro. Esteja em si. Enxergue todas as suas sombras, ilumine-as, pois assim, eliminará também as sombras do mundo.
— Isso é muito filosófico. Não vejo como meu trabalho interno pode influenciar no externo.
— Quando sentei e fechei os olhos, não vi escuridão, mas sim, luz. Porém, você julgou que fossem sombras, porque você ainda as vê em si. Quando o seu trabalho interior estiver concluído, verá a luz mesmo na mais profunda escuridão. Enxergará a luz e o amor em tudo. Logo, o mundo em que vive não será mais o mesmo aos seus olhos. Suas interações com seus semelhantes serão totalmente preenchidas de amor. Quando enxerga suas sombras, aceita-se, trabalha nelas e integraliza-se, entende muito melhor o seu semelhante. Com isso, acaba desenvolvendo compaixão por ele e o conflito desaparece...
Fábio sorri, respira e diz:
— Sim, é verdade. Tem razão e agradeço por me fazer enxergar a luz que me era invisível, até então.
Daí em diante, Fábio e seu instrutor de Kriya Yoga passavam horas praticando e tornaram-se muito amigos.