Um homem morava no alto de uma montanha e sempre esteve isolado do mundo. Desenvolvia sua rotina diária baseada na manutenção de sua sobrevivência. Ele convivia com vários animais das florestas próximas em total harmonia, nunca estabelecendo uma postura de conflito, ou de ameaça aos mesmos. Alimentava-se de frutas, verduras e hortaliças que cultivava em uma área externa de sua moradia, construída com recursos encontrados nas redondezas. Ele conseguia encontrar água descendo a montanha e a carregava até a sua casa, empregando bastante força e equilíbrio, ao dar seus passos em diversos tipos de relevo, encontrados pelo caminho.
Certo dia, enquanto voltava para sua casa, depois de ter caminhado por três horas para buscar água, encontrou um lobo muito ferido. Ele não sabia o que fazer, pois o lobo parecia bastante arredio e encontrava-se assustado. O homem temia a reação dele, caso se aproximasse demais e acabasse por assustá-lo, mesmo que nas melhores das intenções.
Havia um sentimento dúbio: arriscar a vida ao tentar ajudar o lobo, ou fingir que não havia visto nada demais? O homem não sabia ao certo como iria conseguir ajudá-lo, mas estava certo de que não teria a consciência tranquila, caso não fizesse nada por aquele animal. O lobo o olhava profundamente, enquanto respirava intensamente, condensando o ar gélido que existia no local.
O homem se sentou e começou a pensar em como poderia se aproximar. Percebeu que o lobo tremia, então fez uma fogueira ali perto para aquecê-los. A fogueira também serviria para inibir qualquer possível ataque do lobo a ele, durante o tempo em que estivesse por ali.
O tempo foi passando e o homem foi se aproximando cada vez mais do lobo, que encontrava-se muito mal. A rotina diária ainda não havia sido concluída, mas o animal precisava ser salvo! O homem, ao ver que a noite se aproximava rapidamente, começou a planejar um abrigo temporário para que pudesse estar mais próximo ao dele, a fim de conseguir ajudá-lo. Como estava muito longe de sua casa, não possuía muitos recursos para construir algo, então, observou que ali existia uma caverna, há uns dez metros do lobo, que o serviu como abrigo natural, poupando-lhe muito tempo.
Quando a noite chegou o animal estava muito fraco, mas não deixava de olhar aquele homem nos olhos. Ao perceber isso, o homem se aproximou ainda mais e, mesmo o lobo tremendo de frio e de medo, não tirou os olhos dele.
Quando chegou bem próximo ao lobo, o homem sentiu-se um pouco nervoso, já que poderia ser um grande risco à sua vida, mas devido ao seu coração ser tão puro e nobre, insistiu em salvá-lo. O homem lhe olhou profundamente nos olhos e tocou-lhe a cabeça, fazendo-lhe um afago.
O lobo não apresentou nenhum sinal de perigo, não rosnou, nem mesmo deu a entender que seria capaz de atacá-lo. Foi então que o homem criou confiança e começou a analisar o que poderia ter ocorrido com ele. Percebeu que o animal possuía um corte próximo à sua barriga, então o homem fez uma mistura pastosa, utilizando-se de algumas ervas locais para passar no ferimento. Ele o olhava fixamente, parecendo agradecer-lhe pelo ato de compaixão.
Feito isso, o homem pegou algumas folhas de bananeiras e cobriu o lobo para que ficasse camuflado, evitando que algum animal pudesse caçá-lo na calada da noite. Assegurou-se de que a fogueira teria lenha suficiente para queimar a noite toda, o homem abrigou-se no interior da caverna e dormiu.
Naquela noite ouviu-se muitos ventos fortes, que fizeram as folhas das árvores assobiarem. Como o homem e o lobo estavam na parte baixa da montanha, não sentiram muito os seus efeitos, mas acordaram várias vezes durante a noite, ao som dos ventos.
No dia seguinte, o homem acordou e olhou para o local onde estava o animal e, incrivelmente, ele não estava mais lá! Havia sumido completamente. O homem ficou preocupado, pois o lobo ainda não estava recuperado e aquela noite teria sido muito perigosa para quem estivesse sem abrigo, já que os ventos foram avassaladores. O homem gastou algum tempo procurando o lobo, mas não o encontrou. Decidiu então voltar à sua casa, com a água que tivera coletado, para dar andamento em sua rotina, já que também precisava comer.
Quando o homem, após algumas horas de caminhada, estava chegando em seu lar, viu uma cena desastrosa: um grande pinheiro havia caído exatamente sobre sua casa, destruindo-a por completo. O homem sentiu-se triste pela cena e se perguntou: "Por que tinha de acontecer isso comigo? Eu estive tentando salvar um amigo e, quando volto, minha casa está totalmente destruída!". O homem deposita seus recipientes com água no chão e, desolado, com fome e profundamente triste, chora.
Alguns minutos depois, olhando para a sua casa em ruínas, percebeu uma poeira levantando-se com o vento que vinha do sul, encobrindo as ruínas de sua casa por completo. Ao olhar atentamente, o homem percebeu que uma silhueta estava se formando enquanto a poeira baixava e, ao fixar seu olhar com afinco, pôde reconhecer: era o lobo! Mas, como? O lobo estava ali, parado, olhando para o alto, pisando sobre as ruínas e, após sua imagem tornar-se totalmente nítida para o homem, o lobo voltou sua face a ele, olhou-o fixa e profundamente, enquanto o vento levava a poeira para longe.
O homem não acreditou que pudesse ser o mesmo lobo! Ele tentou perceber a marca do corte que havia visto na noite anterior, mas não pôde encontrá-la à distância. Era impossível que ele pudesse ter se recuperado tão rapidamente. Foi então que o homem decidiu se aproximar do lobo, mesmo sabendo do risco. Ele levantou-se e foi de encontro ao lobo. Um passo de cada vez, enquanto os seus olhares se mantinham fixos. Ao chegar junto ao lobo, que permanecia totalmente sereno e imóvel, lhe afagou a cabeça... Mesmo que não tivesse a marca, ele sabia: era o mesmo!
Olhando o lobo nos olhos, entendeu: "Não fui eu quem lhe salvou, mas você quem me salvou da morte na noite passada. Muito obrigado, meu amigo".