Há alguns séculos atrás um mercador ouviu alguém falar sobre um pequeno vilarejo nas montanhas ao sul, onde as pessoas eram muito belas e felizes. O mercador, cansado de sua vida conturbada, com tantos negócios para administrar e tantas pessoas para liderar, resolveu largar tudo para viver ali, no vilarejo dos sonhos.
Antes de partir orientou seu colaborador mais confiável a dizer aos seus subordinados que o ele - o líder - estaria se ausentando por motivos de saúde, mas que retornaria em breve. Aquela orientação fora dada somente para que o seu braço-direito pudesse liderar sem maiores problemas, porém, era sabido por este último que o mercador não mais voltaria.
Após organizar tudo, o homem partiu para as montanhas do sul, em busca do vilarejo. Encontrou diversos perigos por sua jornada, já que haveria de passar por entre montanhas e florestas selvagens. Após o terceiro dia, ele encontrou o vilarejo.
Ele ficou parado olhando para o portal de entrada que era feito de uma rocha dourada, tão brilhante que refletia o cenário ao seu redor. Dali era possível ver um chafariz em um grande pátio central, com um jardim em volta do mesmo. O lugar, mesmo antes de entrar, era magnífico.
Após alguns minutos parado ali, o homem percebeu uma jovem garota vestida de branco aproximando-se. Ela chegou até o limite do portal de entrada, sorriu e lhe perguntou:
— Olá, sou Turya. Gostaria de entrar?
O homem, maravilhado, acenou positivamente com a cabeça, pois já estava sem voz. Turya o convidou e o homem entrou no vilarejo.
No vilarejo cada pessoa assumia alguma função para si, baseada naquilo que mais gostasse de fazer, ou que tivesse maior habilidade. Todos realizavam suas tarefas alegremente e a sociedade era muito bem desenvolvida. Realmente, ali havia felicidade.
O homem estava extremamente feliz! Ele foi recebido muito bem, com muito respeito e carinho. Eram-lhe dadas as melhores frutas, os melhores alimentos e as mais confortáveis acomodações. A população daquele vilarejo era realmente um exemplo de hospitalidade.
Os dias foram passando e o homem começou a auxiliar nas tarefas. Como ele não sabia em qual das tarefas melhor se encaixava, ou se adaptava, optou por experimentar cada uma delas, dia após dia. Após alguns meses, percebeu que era um bom gestor de recursos e que gostava muito de fazer aquilo. Foi então que se tornou o gestor de recursos titular.
Um ano se passou. Mas o homem já não via mais a mesma beleza que pôde enxergar no começo. A sua visão daquele lugar havia se modificado bastante. Achava o ambiente monótono, bucólico e estagnado, pois tudo funcionava perfeitamente e não havia nada de novo, nenhum desafio.
O ancião da vila, aquele que detinha o maior peso na tomada de decisões do vilarejo, passou pelo homem e notou que algo lhe incomodava. Algum tempo depois, o ancião foi até o homem e pediu para que conversassem. Já no início daquele diálogo, perguntou ao homem:
— Filho, o que lhe tira a paz?
E o homem respondeu:
— Não sei... Sei que aqui é um lugar cheio de paz e de felicidade. Sei que as pessoas fazem suas tarefas sorrindo, leves... Sei também que essa terra é tão amorosa, que me acolheu de braços abertos, mas eu não consigo ser feliz.
O ancião lhe diz:
— Entendo, mas tem alguma noção do porquê de não se sentir feliz?
— Para lhe ser sincero, não vejo muito sentido em tanta perfeição. Aqui é muito estagnado, todas as coisas já são realizadas dentro do esperado, seguindo os mesmos parâmetros. Sinto como se não fizesse nada além de seguir a mesma programação. Não sei se iria conseguir me entender, pois, de onde vim, tudo era imperfeito, porém essa mesma imperfeição é que nos movia para mudarmos as coisas, buscando aprimorá-las.
O ancião olhou para o homem atentamente e disse:
— Muito obrigado por sua contribuição, meu filho. Pode ser que haja mesmo uma necessidade de mudarmos algumas coisas por aqui. Sugiro que comece, o mais rápido possível, a colocar as suas ideias em prática.
O homem ficou impressionado com a pronta-aceitação do ancião e começou a implantar as suas ideias. As pessoas do vilarejo receberam as suas novas instruções e, dentro de mais um ano, já estavam totalmente adaptadas, executando tudo com perfeição, sem qualquer tipo de resistência, pois suas funções eram baseadas naquilo que já gostavam de fazer. Era lindo ver que todas elas estavam felizes!
Após um ano, o ancião do vilarejo foi até o gestor de recursos para uma reunião. O diálogo iniciou-se com um belo elogio:
— Filho, gostaria de lhe desejar os parabéns por ter conseguido implantar todas as suas ideias e, ainda assim, ter mantido a nossa população feliz! Tenho comigo que agora esteja satisfeito com tudo o que fez e, por isso, acredito que esteja feliz novamente, certo?
O homem, por mais que tivesse realizado tanto, ainda não conseguia sentir-se completo e feliz, logo, surpreendeu ao ancião, ao responder:
— Infelizmente, não. Não me sinto feliz. O motivo pelo qual estive me dedicando no último ano deixou de existir, assim que tudo se organizou e voltou a ser perfeito. As pessoas continuam felizes e eu, infeliz.
O ancião lhe diz:
— Ora, filho... então a questão não era a implantação de algumas coisas novas, uma movimentação nos padrões, ou uma reprogramação, não é?
— Não sei mais...
— Bem, posso estar errado, mas parece que você, de alguma maneira, sente-se triste pelos outros estarem felizes... Já pensou sobre isso?
O homem para por alguns instantes e, timidamente, responde:
— Ainda não havia pensado de tal maneira, mas parece que sim...
O ancião sorri e lhe toca o ombro, dizendo:
— Não sinta-se culpado, filho. Está tudo bem. Só está confuso ao lidar com uma maneira de viver totalmente diferente da que vivia.
— Entendo, mas como conseguem manter os mesmos padrões, as mesmas programações e, ainda assim, serem felizes?
O ancião olha com compaixão nos olhos do homem e lhe responde:
— Da mesma forma como mantém os mesmos padrões e programações para se sentirem felizes onde vivia. A única diferença é que lá os padrões são autodestrutivos, enquanto aqui, promovem a vida e o bem-viver. Isso se chama disciplina.
O homem refletiu sobre as palavras do ancião e disse:
— O senhor tem razão. O problema é que me encontro infeliz, já que este lugar era a minha última esperança e não consegui alcançar a minha paz, a minha felicidade.
O ancião aponta o chafariz na praça central e diz:
— Vê o chafariz no centro da praça?
— Sim, eu o vejo.
— Ele está ali no centro para lembrar que a vida deve ser o foco principal em tudo o que fazemos. Ela vem de dentro e se manifesta fora, através de nossas ações no mundo. A felicidade, a vida e a paz, não se encontram fora de nós, mas dentro, no pátio central de nossos corações. Entende, filho?
O homem observou o chafariz por alguns momentos, sorriu para o ancião e lhe disse:
— Muito obrigado, ancião. Uma nova luz se faz presente em meu ser. Sou grato ao senhor e a este vilarejo por me fazerem abrir os olhos para a vida, para a felicidade existente em mim.