Quando eu era criança ouvia muito o termo: "subir na vida". Eu não sabia o que isso significava no início, mas sempre que alguém alcançava um determinado patamar de estabilidade financeira, esse termo surgia resumindo tudo. Ao ouvir essa expressão sempre associada à admiração das pessoas, aprendi a considerá-la como algo positivo e como um objetivo comum e intrínseco de todos nós. Porém, hoje gostaria de fazer uma análise um pouco mais profunda sobre este tema.
conceitos
Apesar de toda a criação dada, dos chamados “valores” que nos são transmitidos pelos pais, boa parte de nossa experiência na vida se baseia em nossas próprias percepções sobre a realidade. Sendo assim, muito do que definimos como “bom ou mau” também está sempre atrelado à nossa interpretação. Da soma dos “valores” recebidos, juntamente com as nossas definições da realidade, surgem os conceitos, pré-conceitos etc.
O aprendizado empírico é impreciso no que tange ao significado exato daquilo que vemos, principalmente em tenra idade, quando não temos um discernimento mais abrangente. Nos embasamos no conhecimento que obtivemos até aquele momento para calcularmos o que ainda não conhecemos, considerando contextos específicos e, sendo assim, podemos cometer erros.
O maior problema se dá quando tiramos nossas conclusões observando pessoas que se utilizam erroneamente de certos termos, ou conceitos, e acreditamos que os mesmos sejam algo que, de fato, não são. Os padrões de entendimento incorretos se perpetuam de forma indefinida. Esse é o caso da expressão “subir na vida”, pois sempre a ouvimos associada somente à questão material, financeira.
subir na vida
A maioria das pessoas que utiliza essa expressão ao referir-se a alguém, expressa-se de uma maneira intensa e transmite uma certa admiração quando comunica tal conquista obtida por outrem.
Não é de se espantar que uma criança, ou qualquer pessoa que não conheça o termo, o considerará muito positivo e entenderá que, “subir na vida” é algo admirável a ser feito, pois causará esse tipo de reação nas pessoas. Mas, ao mesmo tempo, também perceberá que o mesmo só é utilizado quando se envolve a questão financeira.
O problema é que desconsidera-se a abrangência do termo e a própria personalidade, quando se cresce pensando em seguir um caminho que outra pessoa seguiu, somente voltado ao ganho e à estabilidade financeira. Quantas pessoas já sentiram-se divididas entre fazerem aquilo que realmente gostam e aquilo que lhes trará maior lucro?
O pensamento de conquistar coisas e pessoas, como observado desde a infância, promove uma busca desenfreada, muitas vezes até oposta, à que se seguiria naturalmente, se a personalidade fosse o fator primordial a ser considerado. Isso pode levar a uma série de consequências negativas, como: frustração, depressão, ansiedade etc.
Encaramos que o sucesso seja obter esse status e essa admiração das pessoas, pois aquela interpretação que tivemos de alguém falando sobre outrem que tivera “subido na vida”, até hoje, nos causa uma certa sedução e nos parece o único meio para nos sentirmos aceitos e reconhecidos.
Uma vez ouvi de um mestre chinês que o pior lugar para se estar é no topo da montanha, pois, além do desgaste da subida, sempre se chega sozinho e, de lá, o único destino possível, é a descida. Disse também que devemos aproveitar a jornada, o caminhar, contornando os obstáculos, experimentando a vida.
O MARIMBONDO E A LONA
Certo dia eu observava o progresso de um marimbondo que subia pela parte interna de uma lona transparente. A lona estava posicionada de maneira a servir como um telhado translúcido, que permitia a passagem da luz solar, que secava as roupas que estavam penduradas no varal localizado abaixo de si.
Notei que o marimbondo estava subindo pela parte interna da lona, dando a entender que buscava o topo da mesma, para que conseguisse sair. Fiquei observando-o por uns vinte minutos e percebi que percorria horizontalmente toda a extensão superior da lona, completamente fixada na parte superior da mureta de um terraço, sem qualquer abertura possível.
Percebi que o marimbondo não teria como sair dali, sem que percorresse todo o caminho de volta, descendo toda a lona e retornando a subir pelo lado externo da mesma. Ele poderia “subir na vida”, mas estava preso. A única possibilidade de libertar-se seria descendo a lona e retornando pela face superior.
a liberdade
Foi incrível como um marimbondo pôde me ensinar tanto acerca de coisas que não podia ver claramente. Percebi que “subir na vida” era como aquela lona, na qual eu poderia subir pela face interna e me deslocar horizontalmente no topo, mantendo-me preso, ou poderia subir pela face externa, movimentando-me verticalmente, transcendendo o topo limitador.
Quando falamos de alguém bem-sucedido, não consideramos que essa pessoa possa ter realizado aquilo que ela mais queria, trabalhado com aquilo que ela teria habilidade e facilidade. Dramatizamos todos os processos e acreditamos que algo tenha que ser difícil para que seja digno de ser conquistado.
Nos autossabotamos ao seguirmos buscando uma jornada que não é nossa, sofrendo, mas acreditando que isso seja parte do processo para tornarmo-nos “dignos(as)” de algo admirável aos olhos dos outros. Quando conquistamos algo com certa facilidade, narramos como se tivéssemos enfrentado imensas dificuldades, só para nos sentirmos valorizados e reconhecidos.
Não percebemos que a nossa ascensão está ocorrendo pelo lado de dentro da lona, nos aprisionando e iludindo, cada vez mais, ao justificar que o nosso sofrimento seja natural. Nos tornamos incapazes de reconhecer nossos passos, supostamente verticais, como horizontais, sob a lona estendida de nossas ilusões.
Devemos “subir na vida” pela face da liberdade de nosso ser, manifestando quem somos verdadeiramente, sem o intuito de causar essa, ou aquela, impressão nas pessoas com quem convivemos.
O ego elevado nos aprisiona e, uma hora ou outra, teremos de descer toda a lona, para então voltarmos a subi-la, passo a passo, pela face de nossa liberdade. Devemos reconhecer as nossas capacidades e desenvolvê-las com alegria, independentemente de rótulos e comparações, afinal, cada um é livre para seguir seu próprio caminho.