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Dois Mundos

Breno era um respeitado empresário, porém, estava passando por alguns momentos de desânimo e de um certo questionamento sobre o sentido da vida, da justiça, etc. Certo dia, ao sair de sua empresa para almoçar, viu um senhor morador de rua, sentado, pedindo alguma ajuda.


— Do que você precisa, senhor? — Pergunta Breno ao morador.


— Eu só preciso de algo para comer. Tenho fome e frio. Você poderia me ajudar?


— Qual é seu nome?


— Meu nome é Carlos, mas aqui na rua, não tenho um nome.


Breno, compadecendo-se daquele senhor, o chama pelo nome: “Venha, senhor Carlos, gostaria de levá-lo a um lugar para que possa se alimentar devidamente.”


Breno acompanhou Carlos até um restaurante e lá conversaram sobre várias coisas, sobre as dificuldades enfrentadas na vida, as experiências e aprendizados conquistados em ambas as posições.


— Me diga, senhor Carlos, por qual motivo o senhor foi morar na rua? — perguntou Breno.


— Eu saí de minha casa porque não conseguia mais viver daquela forma. Eu não tenho uma família. Morava sozinho. Eu acordava, saía todos os dias de manhã, trabalhava muito, não ganhava tanto, mas o necessário para me manter de forma digna, voltava para casa, descansava um pouco, dormia e, no dia seguinte, esse ciclo se repetia. Comecei a perceber que estava vivendo em um looping eterno. Aquilo não era viver, e sim, sobreviver! Comecei a entrar em uma grande depressão – assim falou o morador de rua, com certo pesar.


— Nossa! Realmente nunca parei para pensar sobre este aspecto. Somos mesmo muito condicionados e programados para vivermos em uma rotina pré-estabelecida, condicionada às necessidades impostas pela forma como funcionamos em sociedade. Mas, me diga, do ponto onde concluiu tudo isso, ao ponto da decisão que tomou de ir morar na rua, como foi o processo, como foi para o senhor tomar essa decisão?


— Eu queria me sentir vivo! Eu queria sentir alguma coisa. Já estava cansado de me ver e agir como máquina. Não mais me reconhecia ao me olhar no espelho. Eu precisava entender o sentido de tudo isso, saber se era mesmo necessária aquela forma de viver, para que me sentisse alguém. Eu queria saber o que era ser alguém, de verdade!


Breno se espanta com a coragem daquele humilde senhor, ao decidir realizar uma mudança tão grande de vida, “somente” para encontrar o seu real propósito nesta existência, ou mesmo definir um sentido para “ser alguém” neste mundo. — Eu não sei se eu teria essa coragem. Não sei se a minha vontade seria mesmo tão grande como a sua em buscar esta resposta. Lhe admiro, senhor Carlos. — disse Breno.


Carlos, com um sorriso estampado no rosto, lhe diz:


— E eu não sei se teria a mesma coragem que você, para ser um empresário!


Ambos dão risada mutuamente e Breno lhe pergunta:


— Me diga então: o senhor se sente feliz em viver desta forma? Realmente me agregou tanto com suas experiências de vida, mas me pergunto se esse preço que paga não seria muito alto.


— Quanto custa a sua liberdade? — pergunta Carlos.


Breno abre os olhos e diz: “Muito obrigado por este grande ensinamento!”


Carlos volta a falar:


— Aprendi que cada pessoa tem em sua alma, uma essência, uma potencialidade latente, uma forma de viver a vida e de sentir-se em liberdade. A questão não é o preço, mas o valor que é agregado a si mesmo e à humanidade, quando se faz aquilo que se é chamado a realizar neste mundo, de sua própria e única maneira. A nossa alma nos chama e precisamos ouvir o seu chamado. Hoje, estou escutando esse chamado e vivendo-o da forma como preciso vivê-lo.


— E pode ter certeza de que realmente está contribuindo muito com o meu aprendizado, através de sua própria vida, senhor Carlos. Não tenho palavras para agradecê-lo. Eu gostei tanto de sua companhia que me atrasei para voltar do almoço. Peço-lhe que me ajude a compartilhar a sua sabedoria com as pessoas. Gostaria de trabalhar comigo nisso? — pergunta Breno.


— Realmente acha que já não estamos trabalhando juntos nisso? 


— Não entendo, senhor Carlos.


— O trabalho de cada um de nós, realmente falando, não se encontra na posição, na definição e nem mesmo na opinião que temos sobre aquilo que realizamos, pois, nada acontece sem um motivo neste mundo. Só precisamos viver a vida, fielmente. Existem tantas variáveis a serem consideradas, tantas coisas que não enxergamos, que seria totalmente impreciso e incerto que queiramos enxergar a todas elas. O que estamos fazendo, aqui e agora, é o que importa. Este é o nosso trabalho. 


— Realmente… São palavras muito sábias. Estava me perguntando sobre o sentido da vida, sobre o futuro, sobre coisas que acontecem, o porquê de acontecerem, etc., mas suas palavras me tranquilizaram muito.


Carlos sorri e ambos se dirigem novamente ao ponto onde haviam se encontrado. Ali uma amizade muito especial se consolidava e, antes de Breno voltar para seu trabalho, pergunta a Carlos:


— Eu me senti muito feliz por toda a nossa conversa. Gostaria de lhe perguntar se gostaria de algum auxílio, eu me sinto um pouco desconfortável em deixá-lo aqui, na rua.


— Este é o meu lar agora. É a liberdade que gosto de sentir. Não se sinta pressionado a nada e, por favor, se quer me ajudar, que possamos sair para conversarmos todos os dias, em seu horário de almoço, pode ser?


— Mas, é claro que sim! A honra será toda minha. E o almoço será por minha conta!


— Muito obrigado! Porém, tenho uma condição.


Breno, estranhando a fala de Carlos, diz: “Ficando exigente senhor Carlos!”, sorri e continua: “Qual seria ela?”


Então o senhor Carlos diz:


— Gostaria que nossos diálogos durante os almoços fossem compartilhados com as pessoas, pois, de alguma forma, iremos transmitir muito a elas, de “dois mundos” diferentes.


Breno sorri e diz:


— Eu não poderia ter pensado em algo melhor! Aceito a condição!


E então, os dias seguintes foram se passando lentamente para Breno e Carlos, enquanto não estavam na companhia um, do outro, porém, rapidamente, quando estavam em seus diálogos vespertinos, no restaurante da esquina do outro lado da rua, em que Breno exercia seu papel de empresário e Carlos, de morador de rua.

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