logo Projeto Transmutar
Lugar Certo

Entre as várias flores de um imenso campo no interior de um determinado país nórdico, vivia uma fada. A fada era a melhor amiga dos animais e dos seres da natureza que habitavam a região. 


Todos os dias, a fada cantava algumas canções para seus amigos, animando-os e fazendo-os felizes. A vida era perfeitamente harmoniosa e todas as letras de suas canções traziam a gratidão para todos os corações.


Em uma determinada noite, um jovem chega até o local muito ferido, juntamente com seu cavalo. Após léguas e léguas percorridas, ele não suporta mais permanecer acordado e, ao sentir suas forças esvaírem-se, desmaia, caindo de seu cavalo, diretamente no chão.


Seu cavalo permaneceu ao seu lado durante toda a noite e, nas primeiras horas da manhã, quando o primeiro raio de sol despontava no horizonte, a fada ressurge por entre as flores do campo e começa a cantarolar sua canção matinal, despertando todos os seres que ainda permaneciam adormecidos.


A fada, ao avistar aquele cavalo, incomum para ela, se aproximou dele, admirando a sua beleza e agradecendo por sua visita. Neste instante, olha para o chão e se assusta com aquele ser, semelhante a ela, um humano, com tantos ferimentos e insensível à sua canção. Seu canto é interrompido.


Quando os animais e os seres da natureza percebem que o canto da fada havia sido contido, se aproximam para ver o que estaria acontecendo e todos observam  aquele homem desacordado. Uma incerteza brota no coração da fada, ao desconfiar da natureza dele, pois havia sangue em suas mãos. Ela estava com medo de que, ao salvá-lo, também pudesse ameaçar a existência dos seres, tão belos, que haviam ali.


Enquanto todos o observavam, um cervo lambeu a sua face e esse gesto fez com que todos caíssem em si e focassem muito mais em suas verdadeiras naturezas, do que na duvidosa natureza do homem. Imediatamente, a fada começou a preparar alguns medicamentos para tratá-lo e contou com a ajuda de todos os seres que ali estavam.


Dias se passaram. Todos estavam dedicando-se em cuidar daquele homem. Até que, na terceira noite, ele acorda e se pergunta onde estaria. Neste momento, todos os animais e seres estavam dormindo, bem como a fada, porém, ao olhar ao seu redor, percebe uma série de cães, lobos selvagens e alguns outros animais deitados e dormindo.  Instantaneamente, ele recolhe-se. Devido ao susto, sua pressão cai e ele volta a dormir. 


De manhã, como estava sendo rotineiro, os seres da natureza e a fada, prontamente, voltam-se a cuidar do ferido. Em um determinado momento, ainda deitado, ao entreabrir seus olhos levemente, o homem, percebe uma luz que o atinge a visão, porém não era uma luz comum, ela possuía uma silhueta, parecia com um rosto iluminado... "Mas, isso não existe... estou delirando", pensou.


Certamente a sua dúvida fora sanada quando, ao abrir seus olhos totalmente, viu o belo rosto daquela que o cuidava. "Ela é linda!", admirou-a. A fada não percebeu, de pronto, o olhar extasiado do homem, porém, quando ela voltou os olhos à sua face, instantaneamente, o mesmo fechou-os novamente. A fada notou que havia algo estranho, pois, apesar de não ter visto o homem de olhos abertos, o vulto de suas pálpebras se movendo a fez desconfiar de algo.


A fada deixa o homem deitado e continua o seu dia, cantando suas canções de gratidão e admiração à beleza divina. Percebendo que a fada não mais estaria ali, ouvindo a voz dela à distância, o homem verifica se os animais ainda estariam por ali, mas não estavam. Ele então se levanta e começa a explorar o local, procurando por algum vestígio de seu cavalo.

Ao olhar para o lado de fora do lugar onde estava, viu uma cena muito bela: aquela Moça cantava e os animais ao seu entorno a ouviam e interagiam com ela! Eles faziam um círculo em volta dela e até mesmo seu cavalo que fora treinado para atuar em situações de guerra, ali estava completamente manso, sem sua cela, sem seus estribos. Ele nunca tinha visto nada assim!


O homem começa a se aproximar daquela reunião, dando passos muito lentos, ainda sentindo muitas dores, mas ele queria ter certeza de que aquilo era real, de que aquela Moça poderia fazer mesmo aquilo. Ao perceberem sua aproximação, alguns animais se assustaram e começaram a correr em diversas direções. A fada olha para trás e se assusta, ao percebê-lo ali, estático, assustado com a reação dos animais.


Ainda muito assustado, o homem se dirige a ela, perguntando-lhe:


— Como se chama? Como fez aquilo?


A fada permanece em silêncio, sem mesmo conseguir pronunciar qualquer palavra, ou mexer um único dedo. Então, ele insiste:


— Como você fez aquilo? Como você consegue dominar esses animais?


Ela simplesmente brilha e desaparece na frente do guerreiro, que não pôde acreditar no que estava vendo. Ele volta ao abrigo pensativo, pois aquela era a primeira vez que presenciava aquilo. Ele realmente acreditava estar tendo alucinações e logo pensou em encontrar seu cavalo, pois aí sim, saberia se tudo aquilo era real, ou não, no entanto, estava ainda muito fraco para encontrá-lo, então resolveu deitar-se novamente e repousar por mais um tempo.


De longe, a fada observava-o, assim como também aos seres da natureza e aos animais. Todos temiam pela reação dele, quando acordasse. Devido a ainda estar dormindo e ainda estar de dia, a fada e os animais voltaram para vê-lo.


A fada começou a examinar as coisas daquele homem, então percebeu uma espada e uma armadilha para urso em sua mochila! Era um guerreiro que caçava animais! A fada entristeceu-se profundamente e agora se culpava por ter salvado a vida dele. Seus olhos encheram-se de lágrimas e ela se arrependia, dizendo baixinho: "Por que o salvei? Por que defendi este, que mata os meus preciosos irmãos? Eu deveria tê-lo deixado morrer...". A sua dor era profunda e ela, agora, temia e sentia-se responsável pela vida dos animais que ali estavam.


O guerreiro acordou naquele instante, sentou-se e olhou para aquela Moça, que acreditava ser somente fruto da alucinação de sua mente perturbada. Instantaneamente, ele exclamou:


— Moça, você é real! Você me salvou a vida! Qual é o seu nome?


A fada, enfurecida e revoltada, vira-se, olha para ele e, ferozmente, lhe diz:


— Salvei a sua vida, mas não me perdoarei por isso! Você merece morrer!


O guerreiro não entende a atitude dela e lhe pergunta:


— Mas, por que você diz isso? Como pode me desejar a morte? Justamente você, que convive tão belamente com todas essas adoráveis criaturas? 


A fada, furiosa, faz uma forte corrente de ar bater contra o peito do guerreiro fazendo-o cair deitado novamente, e lhe diz:


— Como pode ser tão falso a ponto de proferir qualquer palavra sobre essas criaturas tão puras, sendo que você mesmo é quem as mata? Por isso, me arrependo de tê-lo salvo a vida!


O guerreiro diz:


— Moça, acredito que haja algum engano... Eu não caço nenhum animal. Eu os defendo, se possível, com a minha vida!


Ao ouvir aquilo, a fada eleva a armadilha para ursos de suas coisas, fazendo-a flutuar pelo ar e a posiciona à frente do rosto do guerreiro, dizendo:


— Você não merecia ser salvo! É um mentiroso! Aqui está a armadilha para caçar ursos que encontrei em sua mochila! Como pode fingir lutar pela vida desses seres, como pode ser tão falso e cruel?


O guerreiro, assustado, lhe diz:


— Moça, por favor, não faça isso! Você entendeu errado! Sim, essa armadilha está em minhas coisas justamente porque havia acabado de salvar a vida de um urso que estava preso nela! Eu demorei muito para conseguir libertá-lo e ele me machucou muito até que eu conseguisse. Por isso cheguei até aqui ferido. Essa armadilha é de algum caçador da região... Não é minha. Eu a desarmei e a tirei de lá para que não machucasse mais a nenhum animal. 


A fada para por um momento, observando a luz da verdade e do desespero do homem, retira a armadilha da frente de seu rosto e lhe pergunta:


— Então você não é um guerreiro? Pois vi que suas mãos estavam sujas de sangue e que seu cavalo havia sido treinado para a guerra. Também vi que possui uma espada. Como posso acreditar em você, mediante a todas essas evidências?

Então, o guerreiro diz:


— Moça, eu sou um defensor da natureza e dos animais. Minhas mãos estavam sujas de sangue porque acabei tendo que tirar a armadilha da pata do urso e meu próprio sangue também me sujou. Sobre a espada, eu a utilizei para abrir a armadilha, sendo que a encontrei juntamente com meu cavalo que, sim, foi treinado para a guerra e, por isso, facilitei a sua fuga bem como a dos demais que estavam nos estábulos do feudo, ao norte daqui. Por sua escolha, ele me acompanha, desde então. Se sou um guerreiro, não, pois não busco a guerra, e sim, a paz.


Neste momento, o mesmo cervo de antes entra e lambe a face do homem, que agora está acordado. A fada ficou estática, olhando para aquele que, agora, ela não mais poderia considerar um guerreiro. O homem então lhe pergunta:


— Moça, por acaso você é uma bruxa, uma feiticeira, ou algo parecido?


A fada se surpreende com a pergunta, até um tanto inocente, e diz:


— Eu não sou uma moça, ou mesmo feiticeira, sou uma fada.


Então, o homem diz:


— Nossa! Realmente eu não estava tendo alucinações... bem, já descobri que temos algo em comum...


— E o que seria esse “algo”?


— Eu não sou um guerreiro e você não é uma moça-bruxa! Ambos julgamos, um ao outro, baseados em nossos medos e temores. A realidade em si é muito mais fácil de lidar, de viver e mesmo de admirar. Como vim parar logo aqui, em um lugar tão mágico, com uma fada tão linda, como você? Essa é a realidade, mas nossos julgamentos nos impediram de vivenciá-la, desde o começo...


A fada sorri e diz:


— Você tem razão... Desculpe-me pelo meu julgamento. Não tive a intenção de magoá-lo. Não costumo receber visitas (risos). Na verdade, temi pela vida de meus animais... Admiro-o agora. Fico feliz que esteja aqui.


— Agora que estou aqui, percebo que eu só poderia ser conduzido até aqui pela própria natureza, por meus amados animais, que me fizeram conhecê-la. Sou muito grato por isso. Fico feliz de te encontrar. Estamos no lugar certo.


Sorrindo, a fada diz:


— Sim… estamos sempre no lugar certo…


Ali, uma bela amizade se inicia e ambos convivem, cotidianamente, com os seres da natureza e os animais, protegendo-os e aproveitando a vida com alegria.


Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.