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O CONTO DOS PEIXES

Na China antiga, um jovem estava a aprender Kung-fu com seu mestre. Dia após dia ele era apresentado a um novo desafio e tinha de vencê-lo, afim de desenvolver a sua força interior e suas habilidades. Seu treinamento era árduo e seu mestre era um típico sábio, porém, sempre assumiu uma postura muito alegre e descontraída, com relação à vida. 


O aluno, após vários anos praticando Kung-fu arduamente, sente-se pronto para avançar em seus treinos e pede a seu mestre que lhe ensine coisas ainda mais avançadas, pois estaria pronto.


Seu mestre, com sua tamanha sabedoria e leveza, sorri e lhe diz:


— Muito bem, irei lhe ensinar algo mais avançado. Mas, preciso saber se, realmente está pronto.


O aluno, prontamente, diz:


— Sim!


Então, o mestre lhe dá as instruções:


— Você deverá ir na direção sul, onde encontrará um lago. Lá você deverá aprender tudo o que puder com os peixes.


Após ter dado as suas orientações, o aluno fica um tanto desconfiado e pergunta:


— O que eu poderia aprender de mais avançado com os peixes?


E o mestre sorri e lhe diz:


— Vá e aprenda!


Sendo assim, o aluno acena com a cabeça e prepara suas coisas para sair no outro dia, logo pela manhã. No dia seguinte, ele dirige-se ao sul para encontrar o lago e ver o que ele poderia aprender com os peixes.


Assim que começou a trilhar seu caminho, percebeu que havia uma floresta a ser atravessada, mas tinha a plena certeza de que seria facilmente transponível, pois confiava bastante em suas habilidades. No entanto, ao prosseguir mata adentro, percebeu que a realidade não era bem aquela.


Em seus primeiros momentos na floresta ele teve a sensação de estar totalmente solitário, sendo inteiramente responsável por cada um dos passos seguintes. Aquela sensação de insegurança, de estar adentrando um ambiente desconhecido e o constante estado de alerta em que se encontrava, fez com que ele focasse muito mais em sua sobrevivência, do que em encontrar o rio e os peixes.


A mata era totalmente fechada e inexplorada. Haviam serpentes, animais peçonhentos e todo o tipo de ameaças silvestres naquele caminho. O jovem aluno nem tinha a noção de quanto tempo levaria para chegar em seu destino e isso o apavorava, pois estava totalmente envolvido pelos perigos naturais da floresta. 


Em sua primeira noite fez um abrigo entre árvores, mas não conseguiu dormir, pois os sons dos animais que andavam por ali, quebrando galhos e estalando folhas secas, o faziam ficar em estado de alerta. Antes mesmo do raiar do Sol ele já estava ansioso para sair logo dali e prosseguir seu caminho.


Seu humor não estava bom e, em estado de alerta e nervos à flor da pele, não tinha mais tanta clareza e suas atitudes começaram a se tornar impensadas e impulsivas, a ponto de começar a se aventurar e correr em alguns trechos que considerava seguros, na ânsia de chegar logo ao rio, porém, em uma de suas corridas, pisa em um buraco que estava coberto por folhas, torcendo seu pé, instantaneamente!


O jovem aluno grita de dor! Ele tentou caminhar, mas, não conseguiu. A cada passo dado seu pé doía cada vez mais. No auge de seu descontentamento, raiva e desespero, todos ao mesmo tempo, começou a pensar que não mais poderia prosseguir, pois seria um alvo fácil para qualquer animal que estivesse a procura de alimento. Então, assumindo que não seria capaz de prosseguir com a tarefa, inicia seu trajeto de volta.


Ao chegar no mesmo ponto onde tivera montado o seu abrigo na noite anterior, resolve descansar para retomar seu caminho de volta, no dia seguinte. 


No dia seguinte, ele retorna e encontra-se com seu mestre, dois dias após sua partida. O mestre, recebendo seu aluno, lhe pergunta:


— Ora! Que ótimo que já tenha voltado! Mas, será que já aprendeu algo com os peixes?


O aluno, cabisbaixo, responde:


— Não, mestre. Infelizmente, não pude concluir a tarefa que me deu.


Então, o mestre lhe pergunta:


— E por que não cumpriu a tarefa? Era uma tarefa simples...


O aluno olha para seu mestre e lhe diz:


— Desculpe-me, mestre. Eu pensei que estaria pronto para cumpri-la, mas não estava. Eu percebi que fui orgulhoso, que tive medo e que todas as minhas habilidades adquiridas através da prática do Kung-fu, durante todos esses anos, não me foram suficientes para encarar os animais, a selva e o pior de todos: eu mesmo. Perdoe-me, mestre.


O mestre sorri e conclui:


— Muito bem, caro aluno, você pôde aprender algo muito mais avançado do que qualquer técnica, ao conhecer mais sobre si mesmo e esse aprendizado é o mais importante e avançado que deve buscar.


Então, o aluno pergunta:


— Agradeço pelo aprendizado, mestre. Mas, sobre o rio, os peixes, onde eles estavam? Não pude encontrá-los.


O mestre dá uma gargalhada bem alta e diz:


— Eles não existem!


O jovem, irritado, fala:


— Como assim? Me envia em uma jornada para encontrar algo que não irei conseguir encontrar? Isso não é brincadeira, eu poderia ter morrido ali em uma busca vã!


Sério, o mestre lhe pergunta:


— E não é exatamente isso o que acontece com o ser humano? As pessoas buscam algo que só existe em suas mentes, vivem e morrem em função de materializar uma imagem que está no interior delas, no desejo que fora alimentado em seus corações. Você foi em busca dos rios e dos peixes que desejava encontrar, mas pôde perceber o quanto aprendeu em seu percurso, durante seu caminhar? Isso é o que realmente importa. Seu propósito era aprender algo mais avançado, mas sua meta era encontrar os peixes. Me diga, mais vale viver pelo propósito, ou pela meta?


O jovem reflete, entende e diz:


— Sábias palavras, mestre. Meu propósito deve ser soberano à minha meta, pois é ele quem determina o real sentido da vida, da busca. Muito obrigado.


Após isso, sorrindo, o mestre convida seu aluno a entrar, para que possam cuidar de seu pé torcido.


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