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O Desejo de Não-Desejar

Um explorador europeu, em uma de suas viagens para a américa central, depara-se com nativos de uma região específica, aparentemente ainda não mapeada.


Esse explorador havia chegado até aquele lugar com o auxílio de algumas histórias e mapas que teve acesso. Seu objetivo era bem claro: encontrar o tesouro perdido. Porém, para isso, ele deveria ganhar a confiança dos nativos para que os mesmos lhe contassem seus segredos, pois assim, preencheria as lacunas das histórias e mapas que estariam faltando.


Por um ano ele conviveu com aquele povo. Recebeu todas as honrarias e iniciações possíveis da tribo, dentro daquele povoado. Ganhou, enfim, a confiança de todos.


Certa noite, em uma conversa sigilosa com os anciões, ele comentou sobre algumas coisas das quais havia lido e ouvido acerca de um suposto tesouro, aparentando um interesse meramente intelectual. Dessa forma, conseguiu obter algumas declarações muito importantes, que o fizeram decifrar qual seria a direção correta para seguir.


Na madrugada do dia seguinte, ele sai de sua moradia e segue mata a dentro. Já havia aprendido muito sobre a mata, os animais e a sobrevivência local. Porém, ansioso, ele nem mesmo percebeu que um dos anciões se encontrava à frente, nos próximos cinquenta metros.


Com voz de trovão, o ancião lhe chama pelo nome em meio à floresta. O explorador se espanta e, só então, percebe o ancião, que lhe diz: “Onde está pensando em ir?”


O explorador, impactado pela presença do ancião por sua atitude excêntrica, tenta responder, de forma mentirosa:


– Ouvi um barulho nas redondezas e resolvi verificar.


– Eu estive meditando há duas horas e ouvi tudo, menos algo que precisasse ser verificado –, disse- lhe o ancião.


O explorador, ansioso por chegar ao seu destino e sabendo que sua atitude jamais poderia ser tolerada, resolve ser autêntico:


– Eu estive com vocês por um ano. Foi bom. Aprendi muito, até mesmo passei a amar cada um de vocês, porém, um desejo sempre ardeu muito forte em meu peito: o de encontrar aquele tesouro! Eu preciso encontrá-lo. Sei que não mais poderei voltar à tribo depois desta conversa, mas agora, tudo o que eu tenho é este objetivo em minha mente e coração.


O ancião se aproxima calmamente do explorador, lhe deposita um colar em seu pescoço e diz:


– Ainda lhe falta uma informação para encontrar o tesouro, após chegar em seu destino…


– E qual seria, ancião? –, pergunta o explorador, abaixando a cabeça, olhando e tocando no colar que acabara de receber.


– Você só poderá encontrar o tesouro quando não mais houver o desejo em seu coração. Vá…


O explorador fixa seu olhar nos olhos do ancião, emocionado, acena com a cabeça, em gesto de agradecimento, e segue seu caminho. 


Dias e noites se passaram, enfrentando sol, chuva, animais peçonhentos e diversos perigos da mata, porém, sem cessar, ele prosseguia. Seu ímpeto era tão grande que esquecia-se até mesmo de abrigar-se, ou comer adequadamente, só para chegar ao tão sonhado tesouro.


Quase quatro dias depois, ele enfim, chega ao lugar registrado no mapa! Era um êxtase chegar até ali. O lugar parecia-se com um cânion. 


Ele observa, após tantos dias em mata fechada, que aquele lugar abrigava diversos tipos de vida. Ali corria um riacho que possuía algumas vegetações à sua margem; diversas aves e animais inofensivos embelezavam ainda mais o local. Ao observar o céu, percebeu que aquele espaço era orientado naturalmente, de forma a receber a luz do sol durante a maior parte do dia. Era ali, o lugar mais belo que já havia visto em sua vida!


Por mais que tanta beleza se manifestasse diante dos seus olhos, o explorador ainda estava obcecado pelo tesouro. No dia seguinte já começou a empenhar-se para encontrá-lo. Lembrando-se da orientação do ancião, repetia constantemente: “Eu não posso desejar… eu não posso desejar…”.


Ele conseguiu gerenciar suas emoções, até de forma sábia com relação a isso, através de uma linha de pensamento mais adequada, que pudesse aproximá-lo ainda mais do tesouro. Ele constatou durante os primeiros dias, que aquele seria o local correto, então, não importando o tempo que levasse, ele deveria explorar ali mesmo, pois o local já estava definido. Sendo assim, em prol de evitar o desejo, ele iria empreender suas busca encarando-a como um simples atividade, um trabalho, enquanto estivesse ali. Ali seria seu novo lar, seu abrigo permanente.


Então, empreendeu buscas durante os dias, meses e anos seguintes, sempre pensando: “Não posso desejar!”… 


O explorador envelheceu com os anos. Passou tanto tempo de sua vida buscando o tesouro, que não percebeu o tempo passar. Agora, já não tinha mais forças para realizar buscas durante o dia inteiro, nem mesmo para ficar no Sol por muito tempo.


Após alguns dias, seu corpo já não aguentava mais! Estava muito doente! Havia, praticamente, desistido de encontrar o tesouro! Indagava a si mesmo se deveria aceitar aquela doença, justamente, para não desejar a cura. A confusão e a ira eram imensas!


Solitário, sem forças para buscar alimento, ou fazer qualquer coisa, ele observou o raio do Sol bater nas leves ondas produzidas pelo riacho que corria à frente de seu abrigo permanente. Começou a ouvir o som das águas, o canto dos pássaros e até mesmo o ruído das pequeninas pedras que eram levadas a rolar pelo vento. Percebeu que, todos os dias, os mesmos pássaros que antes vinham comer as migalhas de sobra de seus alimentos, agora, já traziam suas gerações seguintes, com seus filhotes que também já possuíam suas próprias famílias. 


Então, ele sente saudade de sua família e da tribo que, com tanto amor o acolheu e começa a chorar…


Seu pranto era doloroso e amargo, remetia-se a épocas de felicidade que só eram reconhecidas agora. Um sentimento de culpa se instaurava nele. Lembrava das pessoas, dos sorrisos e das companhias, com pesar. Tudo agora era uma mera lembrança, um vago borrão na tela do tempo de sua vida. O sofrimento e o autojulgamento levavam-no a chorar cada vez mais.


Porém, durante esta catarse, onde somente o seu ser interior poderia se mover, ele se lembra amorosamente das palavras do ancião: “Você só poderá encontrar o tesouro quando não mais houver o desejo em seu coração…”


Tudo para! O explorador abre os olhos, sustenta a sua inspiração por alguns segundos, imóvel, e, agora sim, em seus últimos momentos de vida, ele percebe:


“Todo este tempo, todos estes anos… Eu sempre desejei não-desejar, tentando seguir com rigor a orientação do ancião… Mas, agora, somente agora, quando não mais posso movimentar-me, ou fazer algo por mim mesmo, percebo que até o desejo de não-desejar também é um desejo! 


Era só enxergar, perceber! O tesouro sempre esteve aqui. Eu já o havia encontrado. Tolo fui eu, ao enxergar valor em algo que não existia e, ao mesmo tempo, não ter valorizado aquilo que já enxergava! Obrigado, amável ancião e perdoe-me por ter levado tanto tempo para compreender.


Pois bem, agora estou livre e agradeço o tesouro que tem sido essa minha vida, neste belo lugar, ao qual nomearei de paraíso.” 


O explorador cumpre seu objetivo e, ao pôr-do-sol daquele dia, os pássaros se recolhem, a luz se engendra atrás do horizonte, um vento sopra, anunciando o início de mais uma noite, enquanto um velho explorador repousa para sempre, feliz, por ter encontrado seu tesouro, seu paraíso, em seu abrigo permanente…


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