Em épocas de guerras civis e batalhas horrendas, em busca de dominação e conquista de território, nasce um jovem guerreiro. Durante toda a sua infância seu pai o preparou para compor o exército de seu Imperador.
Ele aprendeu artes-marciais, bem como o manejo de todas as armas e desenvolveu bastante destreza e habilidade em cada uma delas. Seu destaque era tal, que os próprios soldados temiam ser humilhados por ele, se houvesse algum treinamento corpo-a-corpo, utilizando armas, ou não.
Em um determinado momento de sua vida o Imperador convocou o exército para que pudessem iniciar uma guerra contra um vilarejo longínquo, a fim de dominá-lo e também de conquistar seus recursos, expandindo o seu poder.
O General convoca uma assembleia e faz uma reunião explicando os perigos que poderiam encontrar, segundo informações dos informantes do Reino. Eles deveriam atravessar o oceano por dois dias, enfrentando mares revoltos, sol e chuva, para chegarem a um ponto estratégico da batalha que ocorreria.
Alguns dias se passaram e eles iniciaram sua jornada oceano adentro. Os soldados, guerreiros astutos e poderosos, mesmo com tamanha segurança e coragem, estavam preocupados e ansiosos, pois aquela deveria ser a primeira batalha daquele pelotão.
Ao final do primeiro dia, ao cair da noite, a rotina e os turnos foram alterados, restando somente algumas unidades em vigília, enquanto o restante dos soldados descansavam. Neste momento, o que todos eles temiam, acontece: à frente, nuvens extremamente carregadas, relâmpagos à vista e trovões ferozes, rompiam com o silencioso navegar marítimo.
As ondas balançavam o navio fortemente! Estava muito difícil manter o equilíbrio, segurar os lemes, manipular as velas! Estavam passando por alguns momentos de pânico, onde agora a principal tarefa era sobreviver!
Por mais que fossem corajosos, não poderiam lutar contra a fúria do oceano! Sabiam que poderia ser questão de vida, ou de morte, caso acontecesse o pior. E foi então que, infelizmente, depois de tantos esforços, o navio veio a naufragar!
Não se sabe ao certo o que aconteceu depois disso e nem quantos puderam sobreviver, mas um dos guerreiros chegou à terra-firme inconsciente: era ele, o nosso mais notável guerreiro! Algumas pessoas que moravam próximas à praia o levaram consigo, trataram dele e o deixaram dormir na casa de um senhor curandeiro.
Um dia inteiro se passa e, na manhã seguinte, ele acorda assustado e, sem saber onde está, ou mesmo o que tivera ocorrido a seus companheiros, levanta-se abruptamente e abre a porta do aposento com certa voracidade.
Um senhor que ali estava se assusta com aquela atitude e então, lhe diz:
— Por favor, acalme-se. Você está seguro agora.
O soldado, ao dirigir seu olhar ao senhor, que nem mesmo havia visto, vai até ele e, com pavor, lhe pergunta:
— O que aconteceu com os outros?
O senhor lhe responde:
— Eu não sei de quem está falando, meu jovem. Só encontramos você às margens da praia, inconsciente e muito ferido.
Ao ouvir a palavra "ferido", o soldado olha para si e percebe seu corpo com diversas ataduras manchadas com sangue e, novamente, desmaia. O senhor o ampara na queda e leva-o à cama, onde permanece trocando suas ataduras e cuidando de seus ferimentos.
Algumas horas se passam e o jovem acorda e, dessa vez, o senhor estava ao lado dele, molhando-lhe a testa para abaixar a sua febre. E, então, o guerreiro olha para os olhos do velho senhor e lhe diz:
— O senhor não sabe onde estão meus amigos, meus irmãos?
— Infelizmente, não sei. Nós só encontramos você na praia.
O silêncio e as lágrimas do guerreiro se manifestam. O seu pesar era tão grande que se culpava por ter sido o único a ser encontrado e, talvez, o único a ter sobrevivido.
O senhor, percebendo a angústia do soldado, lhe pergunta:
— Não se sente feliz por ter sobrevivido?
O guerreiro lhe responde:
— Eu não me sinto feliz por ter sobrevivido, se a minha vida representa a morte de meus irmãos.
— Entendo, — diz o velho — mas, você não se lembra do porquê estava fazendo esse percurso, em circunstâncias tão arriscadas, juntamente com seus outros irmãos?
O soldado, ainda muito emocionado, não consegue responder e, por compreender o estado emocional dele, o senhor lhe diz:
— Não se preocupe em me responder nada, por agora. Descanse e, quando estiver melhor, conversaremos.
O soldado vive seus piores momentos de dor, ao pensar em seus companheiros, em seus irmãos de jornada que, até que se provasse o contrário, teriam morrido em missão.
Para ele, a missão era muito importante, mas só tinha algum entusiasmo em executá-la se estivesse junto com todos, unidos, compartilhando alegrias, dores, tristezas, etc. O guerreiro nem mesmo se importava mais em estar vivo, ou não, porém, precisava se recompor o quanto antes, a fim de voltar para suas terras e avisar ao Imperador.
Mais uma manhã se inicia. O guerreiro acorda e, alguns minutos após seu despertar, o senhor lhe bate à porta e entra, para lhe servir algum alimento e trocar seus curativos.
O guerreiro agradece a ele e, acreditando que aquele senhor não soubesse de sua identidade, responde-lhe à pergunta feita no dia anterior:
— O senhor me perguntou algo ontem, pois bem, vou respondê-lo. Eu estava com meus irmãos em uma missão. Deveríamos encontrar um território e conquistá-lo, pois fazemos parte do Exército do Imperador.
O senhor lhe olha nos olhos e diz:
— Muito bem, obrigado por sua honestidade, meu jovem. Por acaso, o território que deveriam encontrar se encontra muito longe daqui?
O soldado não sabia onde estava, então, não saberia precisar, exatamente, se o território estava, ou não, naquelas proximidades. Sendo assim, ele diz ao velho senhor:
— O senhor teria um mapa? Não sou capaz de me localizar sem alguma referência de onde estou.
O velho lhe acena com a cabeça e sai do aposento. Alguns minutos depois, volta com um mapa e lhe entrega em mãos.
Ao olhar o mapa, o jovem guerreiro espanta-se:
— Este mapa está em branco! Está brincando comigo?
O velho senhor então, lhe diz:
— Acalme-se jovem! Seus ferimentos são recentes e precisará se recuperar antes de fazer o que precisa fazer. Não seja tolo!
— Por acaso sabe com quem está falando?
O senhor sorri e diz:
— Por que pergunta a mim, aquilo que deveria perguntar a si mesmo?
Falando essas palavras, o velho sai do cômodo e deixa o guerreiro confuso.
Mais um dia termina e a dor instaura-se no peito do guerreiro.
— Eu não posso suportar essa dor! Eu poderia ter morrido no lugar de todos eles. Por que somente eu estou vivo? Qual é o sentido? Treinei minha vida toda com meus irmãos, para quê?
A lamúria do guerreiro foi escutada pelo velho que estava indo lhe trocar os curativos, mas que conteve-se, ao perceber o momento de solitude em que ele se encontrava.
Pouco antes da meia-noite, no momento mais escuro, o velho senhor vai até o banheiro, mas cai no meio do percurso. O guerreiro ouve e vai de encontro ao senhor que estava no chão.
— O senhor está bem?
E o velho, ainda no chão, lhe diz:
— Sim, meu jovem.
O guerreiro então levanta seu cuidador e, empreendendo algum esforço, posiciona-o sentado. Ali, um diálogo se inicia, como o ancião dizendo:
— Veja, no momento mais escuro da noite, aparece uma luz, como você, para iluminar o caminho.
O guerreiro se espanta com as palavras do velho senhor e diz:
— Não mereço tanta consideração e estima. Somente eu sobrevivi ao naufrágio que matou a todos. Eu deveria estar em algum lugar longe daqui conquistando mais um território, mesmo que morresse fazendo isso sozinho, mas honraria a vida de todos os meus companheiros que se foram.
— Sabe onde está? — Perguntou o velho.
— Não.
— Você está justamente onde deveria estar.
O guerreiro não entende o sentido da frase daquele senhor então pergunta:
— Como assim? Não entendi o que quis dizer.
— Você está no vilarejo que deveria conquistar.
O guerreiro deu um salto para trás e colocou-se em pé imediatamente!
— Como? Não pode ser! Diga-me, senhor, está brincando comigo, não é mesmo?
Sorrindo, o ancião lhe responde:
— Não, meu jovem... Você está onde deveria estar.
— Velho! Não brinque comigo! Como sabe que era aqui onde eu deveria estar?
— Sempre estamos onde deveríamos estar, meu jovem. E sei que este lugar, especificamente, era onde você deveria estar, justamente pelas coisas que foram encontradas à deriva, pelos pescadores.
O jovem guerreiro cai no chão e, desesperado, diz:
— Isso não pode ser verdade! O senhor sabe o que isso significa?
— Sei sim, meu jovem.
— Mas, não entendo! Por que cuidou de mim? Por que, ao descobrir qual era a minha missão, não me deixou morrer?
O senhor, sabiamente, lhe responde:
— Porque vejo o seu coração. Porque cada um de nós deve buscar fazer as escolhas que mais se aproximem de nossa verdadeira essência interior.
— Mas, como o senhor, que não me conhece, pode concluir algo assim? Não teme a morte?
— Como posso temer a morte física, quando a pior morte é a da alma? Nunca me perdoaria se o deixasse morrer.
O jovem guerreiro, com seus olhos cheios de lágrimas diz:
— Que bom que o senhor pôde escolher... eu não pude!
Neste momento, o guerreiro começa a chorar compulsivamente, e continua:
— Agora, a minha única escolha é honrar a morte de todos os meus irmãos. Não tenho mais como dar um sentido à minha vida, depois de ter sido o único sobrevivente de um acidente tão cruel!
Então, o velho senhor lhe diz:
— Se você só tem uma escolha, ela não é uma escolha. Como pode escolher a algo, se só tem uma opção? Digo-lhe, meu jovem, sempre temos escolhas... e se as temos, não são únicas!
— Mas, como honrar os meus irmãos sem executar a tarefa a que fomos destinados?
— Sabe por que lhe dei o mapa em branco?
— Não.
— Porque nunca podemos deixar que algo ou alguém nos aponte o caminho certo para seguirmos, nunca!
O soldado olha nos olhos do senhor e, realmente atento, continua ouvindo as palavras do mesmo:
— Tive a certeza de que seu coração era bom quando se preocupou, de imediato, com seus irmãos e companheiros, sem mesmo olhar para a situação em que se encontrava. Veja, como poderia ter esse coração e, ao mesmo tempo, retirar a vida de tantos que, como eu, vivem aqui?
O jovem fica totalmente emocionado e banha-se em lágrimas. O velho senhor se aproxima dele e pergunta-lhe:
— Depois de tudo, acha mesmo que seus irmãos iriam querer causar tantas mortes só porque alguém lhes disse que esse seria "o caminho certo"? Será que agora, realmente, a sua vida não tenha um sentido maior, quando é o único que pode fazer uma escolha que preserve a vida? Será que não os estaria honrando ao salvar tantas vidas?
O senhor então o abraça e ficam ali por algum período, até que vão dormir.
No dia seguinte, o velho acorda para ir preparar o café da manhã, porém, se surpreende com o guerreiro que já havia lhe preparado tudo!
— Nossa, mas que surpresa boa! Muito obrigado por tamanha gentileza! — Diz o ancião.
— Isso é o mínimo que posso fazer. Referente ao que conversamos ontem, só tenho a lhe agradecer por me abrir os olhos e o coração. Agora entendo no que reside a verdadeira honra e porque desenvolvemos certas habilidades neste mundo. Nada deve ser por nós mesmos… nada…
O senhor emociona-se com as palavras do guerreiro, agradece-lhe com uma reverência e tomam café juntos...
E tomam café juntos todas as manhãs, a partir de então...