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Roger e as Tulipas

Roger era herdeiro de um castelo no sul europeu. Ele não possuía qualquer familiar nas proximidades, somente era acompanhado de seus colaboradores, que lhe eram muito fiéis e o admiravam muito. Seus pais haviam falecido há alguns meses em um acidente trágico e, desde então, sua vida tivera se tornado bastante complicada.


As paredes do castelo de Roger eram escuras e somente as tochas iluminavam as escadarias e os seus corredores. A vida apática lhe fazia perder a vitalidade. Todos os dias eram monótonos e extremamente metódicos, pois uma rotina fixa era seguida por todos os seus colaboradores que, consequentemente, o faziam disciplinar-se para segui-la também.


Ele tinha tudo: riqueza, terras, palácio, mas ainda assim, não conseguia sentir-se feliz. Sua vida resumia-se a acordar, comer, fazer, ou não, qualquer coisa e dormir.


Com a chegada do inverno ele ficou ainda mais isolado e sentiu seu coração mais endurecido, monocromático. Ele passava dias e noites como se estivesse em um sonho interminável, como se não tivesse outra coisa a fazer, a não ser viver o sonho, sem pensar no amanhã.


Era estranha a sensação de prisão, mesmo estando de posse de tudo o que se podia ter. Durante todo esse tempo, Roger, procurou suprimir tal percepção, já que não saberia como lidar com a dolorosa realidade com a qual se deparava. Ele não esboçava qualquer sentimento, somente os reprimia.


Certo dia, Roger acordou e ouviu o canto de um Rouxinol que estava no galho de uma frondosa árvore no centro do jardim. Neste mesmo instante, ele lembrou-se de sua mãe e, para que as lágrimas não escorressem pela sua face, começou a gritar em seu próprio quarto, para que pudesse sobrepor o som do belo canto da ave. Isso assustou os seus colaboradores, que correram até seu quarto para ver o que estaria ocorrendo com ele.


A vida de Roger se tornou muito difícil de ser administrada por ele mesmo, já que se encontrava nessas circunstâncias. Não havia qualquer abertura por parte dele, de libertar-se de todo aquele peso, de todos aqueles sentimentos de perda, revolta, culpa, mágoa e indignação.


Numa determinada manhã, durante uma grande nevasca, Roger saiu para caminhar pelo jardim. Tudo estava encoberto pela neve, assim como seu coração. Enquanto caminhava totalmente atônito e sem qualquer objetivo, algo lhe chamou a atenção: algumas tulipas haviam desabrochado e, com suas tonalidades avermelhadas, saltaram aos seus olhos, instantaneamente!


Neste momento, em meio a alva e gélida paisagem, o rubro das tulipas se destacou e Roger foi acometido por um sentimento incontrolável que o fez ir até elas. Sem qualquer ponderação, ajoelhou-se diante delas, tocou-as e, imediatamente, seu coração pulsou mais forte. Não mais suportando a dor que sentia, sendo acariciada pela simplicidade e beleza do momento, começou a chorar.


A vida que brotava irrompendo do gelo, de cores cálidas, com tamanha sutileza, lhe abriu o coração para permitir-se sentir e, então, ele liberou tudo aquilo que reprimia, lembrando-se de seus pais que passeavam por aquele jardim, juntos, todos os dias. Durante este momento, recobrou uma memória de sua infância, quando caminhava por ali com seus pais, no inverno e sua mãe lhe perguntara:


— Filho, vê essas flores? 


— Sim, mãe…


— Elas se chamam tulipas e só desabrocham no final do inverno. Então, filho, lembre-se de que, muitas vezes na vida podemos enfrentar um rigoroso inverno, mas, assim como estas tulipas irrompem da gélida paisagem, vencendo todas as adversidades, nós também devemos renascer e florescer. Quando, durante seus dias difíceis, puder ver estas belas tulipas, saiba, o inverno está findando…


Roger ficou ali, deixando-se sentir, permitindo-se chorar e liberar todos os seus sentimentos e, após isso, ainda olhando para as tulipas, disse baixinho:


— Mãe, pai… o inverno está chegando ao fim… Eu os agradeço por terem me permitido estar ao seu lado por todos esses anos de minha vida. Eu os verei nesse jardim, desde as cores vívidas da primavera, ao calor do verão; através das folhas secas esvoaçantes do outono e, sempre, ao nascer das tulipas, no fim do inverno… Elas me lembrarão de que nunca os perdi.


A partir deste momento, Roger iniciava seus dias em paz. Ele agora sentia-se impelido a tratar seus colaboradores com afeto e alegria. Começou a cuidar do jardim diariamente e, em alguns anos, especializou-se em botânica. Iniciou um projeto social que abria as portas do jardim do palácio para a visitação de crianças, acompanhadas de monitores escolares.


Ao final de cada dia, Roger fechava os portões, sorria e, com um profundo suspiro, virava-se para o jardim, observava-o com gratidão por alguns momentos, fixava seu olhar nas tulipas e dizia:


— Boa noite, mãe… boa noite, pai…

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