No antigo Tibete, antes da invasão chinesa, havia a Potala, um grande lamastério. Era comum, naquela época, que, assim que uma criança viesse ao mundo, seu pai fosse até lá, pedindo uma consulta aos monges. Os iniciados em astrologia védica iam até a sua casa, faziam toda a análise do plano celeste, olhando para o céu, e davam algumas orientações aos pais, sobre aquela criança.
Em uma determinada data, nasceu um menino. Todo o procedimento descrito acima fora feito e, ao fazer a análise do céu, o lhama responsável disse aos pais:
— Aos sete anos, ele deverá ingressar no lamastério.
Os pais então, agradeceram a orientação que, apesar de curta, fora bastante precisa e objetiva.
Sete anos se passam e eles levam a criança à Potala, onde ela inicia sua jornada, conforme as orientações do lhama.
Ali, ele passa anos aprendendo mais e mais sobre a vida monástica. Adquire muitos conhecimentos, executando suas práticas diárias com rigor. O crescimento se dava a cada ano: física, moral, emocional e mentalmente.
Já adolescente, o jovem monge começa a realizar missões mais longas fora das paredes da Potala. Realmente, ele tinha uma enorme felicidade em compartilhar e aplicar as coisas que havia aprendido no templo, com os outros lá fora, porém, em um determinado momento, percebe-se com um sentimento de dúvida, um questionamento interno muito visceral.
Ele olhava para as pessoas e começava a observar suas vidas diárias, muitas vezes sem entendê-las em seus comportamentos, tão diferentes daqueles que, desde a sua tenra infância, tivera aprendido no templo. Ele via que elas eram capazes de externar gargalhadas, abraços intensos e dançarem a noite, sob a luz de uma fogueira! Ele já estaria em repouso a essa hora! E aí começou a se questionar acerca da verdadeira felicidade, da liberdade, do amor, etc.
Seu coração era muito nobre e bom, mas sua curiosidade e seu desejo de entender, cada vez mais, sobre aquele “mundo desconhecido” e como as pessoas poderiam viver e serem felizes nele, o deixavam em um grande conflito.
Os lhamas mais velhos começaram a perceber seus desejos mais ocultos, por mais que ele tentasse escondê-los.
Certo dia, um de seus superiores lhe chama para conversar.
— Sabe por que lhe chamei?
— Desconfio que sim, mestre.
— Sei que tem um desejo muito intenso em seu coração de vivenciar as diversas realidades que pôde encontrar durante seu caminho, fora das paredes deste templo.
— De fato, mestre.
— E por que tem esse desejo? Por acaso tem essa resposta?
O jovem monge tinha uma certa noção, porém, responde de forma desconfortável:
— Eu gostaria de entender como é possível que as pessoas possam sorrir, serem felizes ali, naquela realidade tão diferente da nossa.
O mestre continua:
— Se quer entender algo, profundamente, precisa vivê-lo.
O jovem monge olha para seu mestre com um certo penar e diz:
— Mestre, desde os meus sete anos, eu estou aqui. Eu não conheço, profundamente, nada além de tudo o que pude viver aqui. Meu coração sente que existe alguma coisa a mais que estou negligenciando, ou mesmo que não estou considerando. Não entendo exatamente o porquê desse sentimento e presumo que seja, exatamente por isso, que desejo saber o que se encontra lá fora.
O mestre sorri e lhe diz:
— E por que sente-se culpado por isso?
— Porque, pela vida que levo, não poderia sentir esse desejo de viver e conhecer as coisas lá de fora.
— Entendo… Mas, deixe-me lhe dizer uma coisa: se você não sabe o que é medo, não sabe o que é sentir-se seguro; se não sabe o que é desamor, não sabe o que é amor; se não sabe reconhecer a sombra, não sabe reconhecer a luz. Sendo assim, por que deveria sentir-se culpado?
O jovem monge medita alguns instantes sobre as palavras do mestre e diz:
— Muito obrigado, amado mestre. Suas palavras me tiraram um peso da alma e do coração. Agora entendo que preciso, realmente, viver essas experiências, pois só de pensar em sair daqui, já começo a sentir o que seria medo…
Então, o mestre lhe pergunta:
— E qual seria o seu maior medo?
— De me perder. De não saber como agir da forma correta lá fora. De não perder de vista o caminho que, durante todos esses anos, com muito amor, pude seguir ao lado de todos vocês.
Eis que o mestre lhe dá seu último conselho:
— Faça tudo o que quiser, desde que enxergue Deus em si, no outro e em todas as coisas atingidas por suas ações… Agora, tem a minha bênção... Vá e seja feliz.