O que dizer sobre viver em liberdade? E, para sermos mais profundos, o que seria a liberdade em si? Será que podemos entender a liberdade simplesmente como um antônimo de prisão, ou seria algo mais além, talvez a possibilidade de fazermos qualquer coisa, ou de sermos qualquer pessoa que quisermos?
Uma conclusão inicial lógica, porém não óbvia, é que, de fato, enxergamos a liberdade como um atributo individual, independente dos fatores externos, pois, ao tentarmos defini-la, naturalmente descartamos tudo ao nosso entorno e pensamos somente em nós mesmos. Ora, que interessante isso, não? Mas, vamos voltar neste ponto em breve. Por agora, vamos analisar o contexto geral do que imaginamos ser a liberdade.
Primeiramente, imagine que só você possa ser livre, considerando o arquétipo de liberdade comum. Imagine-se podendo fazer qualquer coisa! Não tardaria, perceberia-se sem um sentido maior para viver, pois até as pessoas que se aproximassem de você, dizendo serem suas amigas, viriam somente pelo seu poder. Já uma outra parte, se afastaria de você por inveja, ou qualquer outro tipo de sentimento de revolta. Consequentemente, a falsidade e a solidão seriam suas maiores companheiras.
A segunda questão seria que, por não precisar fazer nada, já que só faria aquilo que quisesse, querendo ou não, acabaria deixando de ter uma responsabilidade, uma disciplina, ou mesmo um sentimento de autovalorização suficiente, que lhe fizesse sentir-se digno de tal poder.
Agora, mudando um pouco de cenário, considerando que as pessoas ao redor do mundo tivessem o mesmo direito que você, todos iriam estar precisando de todos, e não teriam alguém realmente comprometido em realizar o seu papel, a sua função, na sociedade. A liberdade do outro limitaria a sua e vice-versa (teríamos aqui alguma semelhança com a realidade atual?).
Desta forma, ao considerarmos a liberdade dentro deste arquétipo que imaginamos, concluímos que ela seria, inexoravelmente, impraticável!
Bem, então, o que seria realmente a liberdade, ou o “viver em liberdade”? Agora sim, é hora de retomarmos aquele ponto inicial que abordamos no segundo parágrafo, lembra-se?
De forma inconsciente, já sabemos que a liberdade não depende de nada, nem mesmo de alguém, além de nós mesmos. Já somos livres! Por isso, já ao pensarmos nela, ignoramos o nosso entorno e as circunstâncias automaticamente, porém, como não temos consciência disso, associamos a liberdade ao nosso ego, através da busca pelo prazer da realização de nossos desejos. Se realizamos nossos desejos, sentimos que somos livres, senão, não.
O ponto de maior conflito aqui é que, mesmo que queiramos realizar nossos desejos para sentirmos a liberdade, a nível de ego, sem considerarmos o nosso entorno, não podemos deixar de enxergar que, muito daquilo que desejamos fazer, depende de outrem e, por essa dependência, criamos as expectativas, considerando que a atitude alheia deva estar alinhada com a nossa vontade.
Desejos e expectativas. Todas as vezes que desejamos algo, internamente, já assumimos que não o possuímos. Quando criamos expectativas, deixamos o nosso poder de autorrealização sob a responsabilidade de outra pessoa. O fato é que, se a liberdade já está em nós, por que criamos o desejo de sermos livres? Se já podemos fazer tudo, por que depositamos nossa felicidade e realização em mãos alheias? Por que desejar a liberdade, se já somos livres?
A resposta talvez seja pelo fato de que não temos consciência de que já somos livres. Somos convencidos, a todo o momento, de que precisamos conquistar algo que não temos. Até mesmo os padrões daquilo que não temos são decididos por outras pessoas e aceitamos isso, pois sabemos que todos também o farão. Aceitamos isso, pois nos dá a sensação de pertencimento, de integração e valorização alheia. Isso faz com que passemos a buscar sempre o valor e a autorrealização nas pessoas e/ou coisas externas, pois retiramos o foco de nós próprios, apontando-o para o exterior. Sem perceber, nos aprisionamos, dia-a-dia, cada vez mais, a um sistema que nos dita quem somos e quem devemos ser.
Os nossos desejos são as principais fontes de aprisionamento, principalmente porque estão em um ambiente abstrato: o futuro. Nos alinhamos e planejamos todos os detalhes de nossa vida considerando todos pontos de maior atenção, em prol de termos aquilo que desejamos. Passamos anos, muitas vezes, seguindo um único plano, sem nos abrirmos para outras oportunidades, pois queremos “garantir o futuro”.
É muito inspirador, ao mesmo tempo, ver pessoas que conseguiram ter tal disciplina e foco com propósitos nobres e verdadeiros, que se mantiveram em um caminho e alcançaram o tão sonhado “futuro”. Com certeza elas devem sentir-se muito bem e autorrealizadas, livres e felizes. Mas, será que essa seria a realidade de todas elas? Será que algumas delas não estariam apegadas às suas conquistas? E quando não se alcança esse “futuro”, quando não se realiza o desejo? Nestes dois casos, haveria realmente o lado que consideramos “positivo” e o lado que consideramos “negativo”?
Quando se deseja algo que não se consegue conquistar, depois de tanto esforço físico, mental e emocional, surge a depressão; já quando o desejo é satisfeito, surge o apego à conquista.
Em ambos os casos, é impossível sentir-se livre, viver leve e em felicidade plena, pois tanto o desejo, quanto o apego, limitam o ser a uma visão distorcida sobre a vida e suas potencialidades superiores, pois estagnam-no em uma visão pessimista, ou otimista demais, sobre si mesmo e seu real sentido de vida. É uma vida irreal e ilusória.
Mas, então, o que seria viver em liberdade? Como enxergar, sentir, ou utilizar esse nosso poder interior, de forma a manifestá-lo em nossa vida diária? Existe alguma possibilidade?
Primeiramente, precisamos ter a consciência de que já somos livres. Depois, devemos olhar atentamente para os nossos desejos. Precisamos verificar, com lucidez: se eles possuem um real propósito; se são parte da nossa vontade; se não precisam contar com uma determinada atitude alheia; se não servem somente como um diferencial material, uma conquista banal, ou mesmo se são frutos da manipulação alheia. Assim, saberemos se seguir naquela direção é exercer a nossa liberdade real, ou não. Para vivermos em liberdade é necessário que sejamos livres de desejos e apegos.
É preciso observar e contemplar aquilo que já temos ao nosso dispor e praticar a gratidão por tudo, por toda a beleza da vida, por todos os seres, em todos os seus aspectos. Isso traz uma expansão natural e progressiva da consciência. Soltar, deixar ir, libertar, são chaves para a resolução de TODOS os problemas, pois, ao libertarmos algo de nós, estamos nos libertando, concomitantemente.
A liberdade é um estado superior de consciência que se manifesta em vida - vertical; o desejo, ou o apego são sensações produzidas e manifestadas no mesmo plano experiencial - horizontal.
E para quem estiver um pouco confuso sobre “como viver sem desejos?”, recomendamos a leitura do conto “O Desejo de Não-Desejar”, aqui no site. Para um maior aprofundamento nessa questão, aguarde acesse o artigo onde falaremos da diferença entre desejo e vontade!